Existe bi festinha?
Sou do time que sempre defendeu que a sexualidade é um espectro. Se você nunca ouviu falar dessa teoria, sugiro que imagine uma régua. Em uma ponta temos heterossexualidade e na outra homossexualidade. Espera-se que no meio seja a bissexualidade (ou pansexualidade), mas é como se cada pessoa pudesse encontrar sua atração em um “número” diferente na escala.
A bissexualidade confunde muita gente porque somos mal acostumados a viver entre “uma coisa ou outra”. Ou você gosta de homens, ou você gosta de mulheres. Estar em um relacionamento monogâmico com uma há 4 anos já me trouxe o rótulo de lésbica quando, na verdade, nada mudou. Independente de quem eu namore, continuarei sendo bi.
Quando me assumi para os meus pais, eles me pediram desesperadamente para escolher entre um lado ou outro. Será que na cabeça deles é como se eu fosse viver sempre namorando duas pessoas ao mesmo tempo?
Esse funcionamento 8 ou 80 vem com a cobrança de que pessoas bis se comportem 50/50. Se minha carteirinha está “em dia” porque namorei um homem e depois uma mulher, existem pessoas que passam a vida inteira se relacionando apenas com um gênero e, de repente, alguém do mesmo sexo, as desperta e isso as faz tão bissexuais quanto eu, por exemplo. Não existe quem é mais ou menos, apenas existe atração. Estar mais para um lado do que para o outro não te faz mais lésbica ou mais gay, te faz bissexual e cada um vai navegar sua sexualidade de uma forma.
Pensa comigo, se você é hetero ninguém espera que você se atraia por uma quantidade específica de indivíduos. Tem gente que você vai curtir e gente que não. Então por que queremos que bissexuais se comportem sempre equilibrando uma balança?
Tenho amigas, heterossexuais, que dizem que se fossem cantadas pela Angelina Jolie ou pela Cate Blanchett não diriam não. Enquanto isso, outras não diriam sim para nenhuma mulher no mundo.
Para o sexo feminino, ainda existe uma certa aceitação maior da bissexualidade e creio que muito se dá por conta de uma erotização. Quantos homens são extremamente homofóbicos e no celular estão cheios de vídeos de duas mulheres juntas? Uma mulher bi pode ser sexy, uma fantasia. Um cara bi é julgado como gay incubado, como se ele fosse “menos homem”.

Vivemos em um mundo tão carregado de preconceito que eu me pergunto quantas pessoas são bis, mas jamais o descobrirão. É difícil se aceitar e se impor. Tem que ter peito para bancar seus desejos. Eu ainda tenho medo da reação alheia, em diversas ocasiões me peguei escondendo minha sexualidade. Às vezes tenho receio que outras mulheres não vão se sentir confortável comigo, que terão medo de que eu as deseje ou algo do tipo. É angustiante.
O fato de ser um espectro e me encontrar mais ou menos no meio dele me ajudou a navegar minha vida sem tanto sofrimento. Eu sentia que podia amar meninas também, mas ignorava isso e focava no que era aceito e bem visto dentro de casa. Foi só quando fui para a faculdade que entendi que tudo bem ser assim, que meu amor é sempre válido.
Já minha parceira, por exemplo, passou a adolescência inteira tentando encobrir esse seu lado que era tão latente e isso a machucou. Imagine a dor de todos os dias se esforçar para não parecer exatamente o que você é?
Quando saí do armário para minha mãe, ela me disse que poderíamos fazer daquilo nosso segredinho, que ninguém precisava saber. Na hora me passei de forte e disse que tenho muito orgulho de quem sou. Ela pediu para eu esconder pelo menos da minha avó e, talvez por medo e/ou vergonha, eu topei. Só esse ano ela soube que a Letícia não é uma amiga que mora comigo e, honestamente, nem fui eu quem contou.

O mais engraçado é que enquanto em casa as reações foram adversas, minha avó não teve problema nenhum. Citou todas as pessoas do vale que conhece, disse que era ótimo porque a Letícia é muito honesta, estudiosa e trabalhadora e falou como os homens hoje não prestam. “Mulher tá melhor que homem, você tá certa”. Só de escrever me dá vontade de chorar, como é bom se sentir segura no amor familiar.
Pode ser difícil não julgar certas personalidades que se enquadram no B da sigla porque muitas empresas e celebridades usam do poder aquisitivo ou devoção da população LGBTQIA+ a seu favor. Isso levanta desconfiança. É tudo muito complexo, mas no fim do dia ninguém tem muito a ver com qual gênero provoca o desejo do outro.
Será que um dia viveremos em uma sociedade majoritariamente bissexual?
E para finalizar, um obrigada especial ao Studio Bacali que ilustra com tanta clareza o que trago em palavras. <3
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A vó sendo perfeita! 💖
Muito bomm!!