
A maior desavença que já tive com meu pai foi por política. Lembro que na época das eleições ele ficava fora de si por votarmos de forma oposta. O argumento mais frequente dele era que eu o desrespeitava indo contra tudo que ele acreditava. O meu argumento mais frequente era que ele sempre me estimulou a ler e pensar. Logo, isso me levou a defender o que defendo. Não tem nada a ver com ele.
Minha criação foi a seguinte: meus pais devem ser sempre referidos como senhor e senhora, assim como qualquer figura mais velha. Não é não e o famoso “mas por quê?” era sempre respondido com “porque eu sou seu pai.” Nossa casa tinha, e ainda tem, a seguinte hierarquia: meu pai, minha mãe, eu e a Isadora em seguida.
Apesar de ser a última na hierarquia, a Isadora sempre foi mais ‘rebelde’. Ela questionava tudo e “porque eu sou seu pai” nunca foi uma resposta suficiente. Ela insistia e eventualmente até gritava de volta. Eu ficava desesperada, nervosa por nós duas. Como ela podia ser tão desobediente?
Quando comecei a namorar com a Le, notei uma dinâmica diferente na casa dela. Lá o diálogo parecia mais aberto e informal: ela se referia aos pais por "você", questionava abertamente e até podia sair da mesa antes dos pais ou começar a comer primeiro. Inicialmente, isso me surpreendia muito. Eu ficava tensa, esperando algum conflito surgir, mas percebia rapidamente que ali era outro tipo de família, onde tudo fluía de maneira diferente.

O que eu levei da minha educação hierárquica para a vida adulta foi a obediência. Muitas vezes aceito certas situações sem questionar e apesar dos meus sogros falarem que não devo chamá-los de senhor e senhora, eu sempre travo nessa hora.
O problema de ser obediente na vida adulta é que vamos acumulando rancor, aceitamos tudo e depois nos questionamos o motivo de ceder com tanta facilidade. Quando comecei a notar que a Le fala o que quer, argumenta e muitas vezes não cansa até conseguir enquanto eu simplesmente aceito, tivemos alguns atritos. O problema não era ela nem eu, mas a combinação de alguém que banca suas vontades com alguém que aprendeu a ceder sem ressalvas para ‘se encaixar’.
Eventualmente, eu vi que estava projetando na minha namorada a imagem dos meus pais. Não, eu não preciso obedecê-la e ela vai me amar mesmo assim, talvez ainda mais. É muito difícil e doloroso romper padrões, mas a partir de agora estou tentando lutar pelas coisas que eu quero, também.
Quando for a hora de criar nossos filhos, espero que eles sejam mais que nem a Letícia. Que entendam que podem ser fortes e impor suas vontades e ainda assim serão amados. Que saibam que o que eles têm a dizer vale ser escutado e que questionar é muito importante, ainda que seja a nossa autoridade. Eu espero que elas sejam obedientes e respeitosas, mas eu prefiro muito mais criar crianças um pouco rebeldes e seguras de si do que crianças que se tornarão adultos viciados em agradar.
E para finalizar, um obrigada especial ao meu amigo Gabriel Barros que ilustra com tanta sensibilidade o que trago em palavras. <3
Impecável como sempre
a medida da educação é algo que sempre me assusta, o que vale pra um, não vale pra outro, são muitas variáveis incontroláveis. Essa questão é desafiadora, espero que a enfrente em algum momento da vida, isso trara´ um entendimento maior das relações familiares, somos frutos de nossas criações e experiencias e replicamos da maneira como entendemos que seja correta... mas de fato é a correta? nunca saberemos...