Será que eu quero ter filhos?

Ter ou não ter filhos sempre foi uma questão que fica martelando na minha cabeça. Na minha idade, minha mãe estava comemorando o primeiro aniversário da sua primeira filha (eu!!). Enquanto isso, eu coleciono bonequinhos de anjo que usam chapéus diferentes e tento convencer minha namorada de que *precisamos* de pelo menos mais dois gatos.
Eu não consigo pensar em nenhum motivo para colocar alguém neste mundo que não seja egoísta. Quando será que o planeta vai entrar em colapso? Não que já não esteja, mas quando piorar não vai ser horrível viver assim? E se meu filho sofrer muito? Ou minha filha for agredida? Ninguém pede pra nascer, eu tenho o direito de trazer uma pessoinha para o mundo mesmo assim?
Minha parceira é sempre a primeira a ler meus textos e esse, em particular, a incomodou bastante. Ela contra argumentou comigo que todos os motivos que nos fazem viver são, de certa forma, egoístas e que isso é algo bom. Tudo é questão de equilíbrio. Ela é muito fã da psicanálise e essa linha acredita que certos aspectos do narcisismo são essenciais para o desenvolvimento saudável do ego e da autoestima. Justo.
Sempre falei que quero adotar. Se já existem crianças em busca de famílias nesse planeta caótico, por que eu traria mais? A Lele morre de vontade de viver a experiência da gestação, ver o que o meu óvulo, ou o dela, é capaz de fazer. Eu também tenho essa curiosidade, mas isso é motivo o suficiente para adicionar na lista de prós em trazer um indivíduo a mais para o mundo?

O mais louco de estar em um relacionamento com outra mulher é pensar que o processo para ser mãe se torna ainda mais burocrático para nós duas. Que desafios enfrentaríamos no sistema de adoção? Quanto tempo? Quanto dinheiro seria necessário para gerarmos um neném? Quem engravidaria? As duas em momentos alternados? Quantos filhos queremos ter e quanto tempo/dinheiro/organização vamos precisar? E se nossa criança se revoltar conosco? E se quiser conhecer o doador? Quantos preconceitos e questões a mais ela terá que lidar?
Ao mesmo tempo, toda vida não tem seus desafios e alegrias? O Brasil já é um país em que a família tradicional é muito mais uma mãe e uma avó do que mãe e pai presente. Ser pai que é bom, muito mais fácil, menos o que pensar. Ao mesmo tempo, acho que ter duas mães deve ser uma sorte grande.
Será que por ter duas mães nossos filhos serão mais felizes? Ou o comentário homofóbico da minha mãe de que “um homem vai fazer falta e a criança vai querer saber quem é o 'pai’” vai acontecer?
Tenho medo dos meus pais. Aceitar minha sexualidade já foi um passo grande que, para minha mãe, por exemplo, ainda não foi 100% concluído. E se eles não verem meus filhos como *meus filhos*? E se eles amarem mais os netos biológicos da minha irmã, caso ela os tenha?
Em contrapartida, sou extremamente grata pelos meus sogros. Na casa deles, nossa sexualidade nunca foi um problema e me sinto mais tranquila em saber que por lá nossos filhos já são os netinhos deles, sem ressalvas.
Tenho também meus padrinhos que, mesmo longe, se fazem sempre presentes. Tenho certeza que eles também serão ótimos avós. Vai ser uma criação cheia de amor, mas eu sei que amor não é o suficiente. O que é o suficiente? Existe a resposta para essa pergunta? Para todas essas perguntas?
E se, mesmo educando com amor, paciência e atenção, meus filhos se viciarem em drogas ou se corromperem pela sociedade? Até que ponto somos capazes de educar e proteger? E se eles sofrerem bullying ou fazerem bullying com os coleguinhas? E se eles sofrerem com questões de saúde física ou mental?
Será que eu realmente quero ser mãe ou apenas brincar de boneca? Será que eu algum dia estarei pronta para amar assim e me anular tanto por alguém ou mais de um alguém? Como eu lidarei com minhas expectativas não sendo correspondidas? Como eu vou lidar com a adolescência? E eles me odiarem e eu secretamente também não gostar de quem eles se tornaram?
Me traz paz saber que os erros que meus pais cometeram comigo não são os mesmos que meus avós cometeram com eles. Estamos quebrando ciclos e sei que vou cometer milhares de erros também, mas novos. Alguns melhores, outros piores, talvez.
O título desse texto talvez devesse ser "será que vai ficar tudo bem com os meus filhos?” Eu não sei e acho que talvez a gente nunca saiba. Acho que ninguém nunca está pronto para ter filhos. Acho que apenas acontece (de um jeito ou de outro) e a partir daí tentamos e torcemos pelo melhor. Talvez o que me falte seja a coragem para admitir que, apesar de tudo, eu quero muito ter filhos.
E para finalizar, um obrigada especial ao Studio Bacali que ilustra com tanta sensibilidade o que trago em palavras. <3
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Filhos são a esperança de que eles podem ser melhores do que nós somos, acredito que por si só já seja uma ótima oportunidade. De coração ou biológico o amor é o mesmo e a responsabilidade tb. Sobre os gaps sociais, don't worry, tudo se ajusta, o mundo está em contante transformação e essas questões estão cada vez mais simples. não época que estudei sofria muito bullying na escola e era uma "selva", tinha que resolver as coisas na base do soco mesmo, não tinha opção, hoje isso é impensável e existe um movimento claro de melhora, e o caminho é esse, não é facil pra ninguem, vejo tantas familias tradicionais toxicas, o formato standard não é sinonimo de sucesso, somente de um padrão social. E educar filhos é algo desafiador, mas não tenho duvida que o amor compensa demais.
De qualquer forma, tenho certeza que você e a Lele seriam excelentes mães ❤️